Estranho

Um Mundo de Música
3 min readNov 21, 2019

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A unidade de sustentação do Reich brasileiro é a luta contra o estranho

Georg Baselitz

Se a nova era brasileira pode ser definida em um único movimento geral, uma única pulsão conjunta, esta seria a eliminação do elemento estranho, da figura ‘inconveniente’.

O ‘estranho’, isto é, aquele que incomoda, que desregula (seja o mendigo, o artista verdadeiro), nunca foi muito bem-vindo na sociedade brasileira, mas houve um ciclo de anistia, um certo hiato no qual essa figura servia ao menos como tempero ambiental, ou, antes disso, como chave de ignição para inovações no mercado, como uma química de potencialização dos negócios. Com seus problemas e contradições inerentes, esse foi o ciclo democrático brasileiro, que se encerra justamente quando surge um esgotamento da tolerância ao ‘estranho’.

As hordas de medíocres, cindidas do sentido visceral de arte e de sua encarnação filosófica, isto é, a democracia que irradia possibilidades, imaginações, consagrou então um novo pacto. Um pacto de costuras invisíveis, não totalmente verbalizadas, que no entanto se manifesta em intenções e ações coesas: expulsar ou, se der, incinerar o elemento de estranheza, o pária e aquele que vislumbra um novo mundo.

Aqui cabe uma diferenciação essencial: a psicopatocracia oficial, assim como seus robôs enrustidos e inseguros, programados a retransmitir as mensagens necrosimbológicas do neoclassicismo e do metamedievalismo, ama e odeia o estranho. Essa tropa necrocultural de exumadores de um passado sobre o qual leram ontem na Internet queria ser, de algum modo, ‘estranha’, esforça-se para ser vista assim. Mas não é necessária muita esperteza para sacar o olavismo, esse laço que os integra. O olavismo é a reprodução perene da Família Lima (a “Faria Lima” eventualmente). Aquela congregação de bárbaros de Osasco (não o lugar em si, mas a ideia) tomando para si uns instrumentos de jeca, os sons mais atraentes ao novo-rico, e criando ali as misturas mais desprovidas de música e intento criativo da humanidade. Soam mesmo postiços, nunca “estranhos”.

O novo Brasil é o do enfado das previsibilidades e, debaixo da manta visível, o de um terror brutal a se voltar contra tudo aquilo que seja rico em espírito ou que suje as fachadas.

Tudo o que virá dessa gente essencialmente “cultural” (cultura antônimo de arte), seja na política ou nos não-experimentos artísticos, terá a marca dos infecundos, o cheiro de “Osasco”. Será o esforço máximo a tentar apagar uma insegurança existencial que se arraigou (gerando o que costumeiramente é chamado de “complexo”); uma resolução provisória para aquela vida atolada na infância familiar (os trauminhas, as perdazinhas, as frustraçõezinhas, a necessidade de um paizinho viril ou culto depois da erosão criada pelo Papai tem duas famílias), e o cultivo de infusões de autoridade a possibilitar meia hora de ocupação desarranjada, ilegítima, do lugar reservado ao porvir, ao incógnito e ao estranho. O lugar da arte e de quem a ela serve portanto. Um lugar que sempre os expulsará.

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Um Mundo de Música

Investigações na arte, micropesquisas diversas e coisas escritas por Claudio Szynkier. Mais sobre mim aqui https://ummundodemusica.medium.com/about