Fracasso

Um Mundo de Música
2 min readNov 8, 2019

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Sou fracassado e gosto de manter o que faço possuído por fracasso

Georg Baselitz

Sobretudo neste momento, e mais ainda no Brasil, uma das melhores coisas a se ter, afirmar e almejar: o fracasso. O fracasso é a tonalidade que acompanha e eventualmente sustenta a música da vida e dos subterrâneos, dos lugares onde repousam o não-encontrado e o ver-além.

O fracasso é a rota usada pelos que vagam, e só os que vagam respiram livres desse ciclo sórdido da ‘sobrevivência’. Isso não significa que se deva conceber coisas frágeis, sem brilho, mas que é bom sinal que elas fiquem mesmo à deriva, expelidas. Que seu núcleo, ainda que agradem aqui e ali, permaneça vasto, acolhedor, mas longínquo.

O neo-ultradireitismo (olavismo, direitismo, catolicismo falsificado e cultuado em bytes por reféns de abusos longevos e da Internet) é uma espécie de psicologia corporativa antifracasso. Uma cartilha antifracasso organizada por pessoas fúteis, isto é, que têm vergonha de ter fracassado (geralmente nos objetivos mais fúteis), e modulada a fim de atacar justamente essa arte que nasce do fracasso.

Essa é uma arte que tende a se fortificar, e tende ao infinito.

É um rigor do criar que cresce junto com a simpatia pelo próprio fracasso, com a vontade de fracasso, porque mesmo em se tratando de exercícios livres e soltos, mais grosseiros, “não rigorosos” (pecam em termos de “rigor” no sentido brega, popularesco classicista da Revolução Playboy), surge ali uma uma bússola que funciona inteiramente pra satisfazer o seu ouvido, encontrar a sua vida como pessoa e criador. E está aí uma forma depurada e aperfeiçoada de rigor, um rigor real, descoberto no leito da relação íntima e exclusiva com as coisas. O fracasso é, portanto, onde mora também essa ‘ortodoxia’ consigo mesmo, essa individualização que busca vozes ocultadas da cidade, das cidadelas que habitam nosso corpo protegidas. É esse lugar que o Paulo Guedes e os membros da Psicopatocracia olavista não acessam, mas no fundo invejam, sabem que existe e querem destruir.

Eis um dos dons, umas das chances de nitidez existencial que um movimento mórbido originado por medíocres venais de toda sorte e por criminosos de todas as filiações pode nos oferecer.

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Um Mundo de Música

Investigações na arte, micropesquisas diversas e coisas escritas por Claudio Szynkier. Mais sobre mim aqui https://ummundodemusica.medium.com/about